Governança Corporativa

Governança corporativa e a difícil tarefa de interpretar a norma

Programas de compliance têm como desafio transformar conteúdo normativo em ações práticas da rotina hospitalar

por Agnaldo Bahia

Governança corporativa e compliance são temas que ganham cada vez mais importância de gestores das entidades de Saúde. Já há um conhecimento satisfatório em relação aos danos que a falta de um programa de compliance podem trazer para uma organização. Questões como perdas financeiras, manchas na imagem corporativa, comprometimento do ambiente de trabalho e redução do crescimento podem ser resultados da falta de atenção da gestão com esses temas. Se os malefícios já são bem conhecidos, um aspecto que não parece completamente assimilado é como construir a governança corporativa ou um programa de compliance dentro do dia-a-dia caótico de uma entidade de Saúde.

O primeiro passo para iniciar um programa de compliance é identificar o responsável por implantá-lo e gerenciá-lo. Uma habilidade que o profissional escolhido precisa possuir é a capacidade de interpretar corretamente as normas e, mais importante, a habilidade de transformar o conteúdo normativo em comportamento que seja observado pelo colaborador. Parece algo trivial, mas a atividade de interpretar a norma não é tão fácil. A capacidade de transformar a determinação legal em um comportamento claro e determinado é ainda mais complicado.

De um modo geral, as normas possuem duas características claras: 1) expressam um princípio vago e não uma ordem objetiva e; 2) precisam de complementação para ser compreendida. Um exemplo é o artigo 196 da Constituição Federal, que determina ser a saúde um direito de todos e um dever do Estado. Como esse dever será exercido pelos membros da administração pública ou cobrado pelo cidadão é algo que não está indicado na norma. Como dito acima, ela expressa um princípio que deverá nortear o comportamento da sociedade brasileira e que dependerá de diversas outras normas para que os responsáveis e os beneficiários possam usufruir do que o legislador desejou ao redigir esse dispositivo.

O mesmo acontece com milhares de dispositivos legais e centenas de códigos ou políticas organizacionais. A maioria das empresas listadas na Bolsa de Valores possuem códigos e políticas publicadas em seus sites institucionais. Poucos são cuidadosos em definir o comportamento esperado ou vedado ao colaborador a quem a norma se destina. Neste contexto, o responsável pelo programa de compliance precisa garantir que as pessoas tenham compreendido o que a organização espera com aquela norma. E isso só é possível se ele obtiver do colaborador questionado uma resposta clara e objetiva sobre o comportamento que lhe é esperado.

Uma norma é, antes de mais nada, um objeto de orientação em relação a uma conduta desejada e uma ferramenta de intermediação de disputas num dado grupo social. Assim, ao menos que o colaborador saiba exatamente o que lhe é permitido ou vedado em determinado tema, aquela norma não servirá para muita coisa. Como não é possível listar todos os comportamentos, a norma deve conter elementos que permitam ao colaborador interpretar qual deve ser a sua atitude ou comportamento numa situação concreta.

Quanto maior for a capacidade demonstrada pelo colaborador de relacionar o conteúdo da norma com o seu comportamento, maior será a probabilidade de êxito do programa de compliance. A organização deve compreender, porém, que essa capacidade de interpretar, entender e aplicar o que a norma prescreve deve ser construída por meio de muita orientação e de treinamento. A organização que trilhar um caminho nesta direção possui uma chance maior de ser bem sucedida na implantação desse programa, que é cada vez mais estratégico para o desenvolvimento dos hospitais como negócio.    

Agnaldo Bahia é advogado especialista em Saúde, consultor, professor universitário e diretor jurídico da Associação dos Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (AHSEB).

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Foto: Shutterstock

 

 

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