Editorial GesSaúde

Do papel ao digital: por que agregar inteligência nas receitas de medicamentos pode melhorar a qualidade no atendimento hospitalar

Anuário aponta que, em 2017, eventos adversos graves foram responsáveis por mais de 54 mil mortes em todo o sistema hospitalar brasileiro, sendo que 36 mil delas poderiam ter sido evitadas

Por Fabio Lia

Os gargalos que o sistema de saúde enfrenta hoje são inúmeros, não podemos negar. Talvez seja até por conta disso que a forma como os profissionais prescrevem ou geram receitas de medicamentos não seja tratada com a importância que deveria. Ou seja, o fato delas serem escritas à mão, digitadas em um bloco de notas, impressas ou emitidas por um sistema eletrônico de prescrição, parece não fazer a mínima diferença. Mas isso em um primeiro momento, porque se começarmos a aprofundar nosso olhar, percebemos o quanto este procedimento executado pelos médicos, um dos mais comuns e quase automáticos, impacta na conta final da saúde: seja na qualidade no atendimento hospitalar, na segurança do paciente, melhor desfecho clínico ou na gestão de recursos financeiros. Sem falar que contribui para uma das principais metas da saúde hoje, que é trazer o paciente para o centro do cuidado.

De acordo com o 2° Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, divulgado recentemente pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e pelo Instituto de Pesquisa Feluma, da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, em 2017, os eventos adversos graves foram responsáveis por mais de 54 mil mortes em todo o sistema hospitalar brasileiro, sendo que 36 mil delas poderiam ter sido evitadas. Dentre as principais causas dos eventos adversos estão os erros e falhas ocasionados por medicação. Fora o fato dos óbitos, esses incidentes incorrem em readmissões hospitalares, o que tem uma consequência considerável no aumento dos custos. Segundo o mesmo anuário, os eventos adversos graves consumiram R$ 10,6 bilhões do sistema privado de saúde no passado.
Aprofundando-se nas causas, 39% dessas falhas ocorrem no momento da prescrição. Os motivos são vários, incluindo desde interações medicamentosas, alergias, duplicidades, esquecimentos e chegando até uma questão importante, que tira a receita médica da posição de coadjuvante: os conteúdos muitas vezes ilegíveis ou então digitados incorretamente.

É até estranho pensar que, na era do bring your own device (BYOD), internet das coisas, inteligência artificial e sistemas avançados, os médicos ainda façam receitas de medicamentos à mão. Ou seja, o uso de prescrição digital e inteligente ainda está engatinhando no país. Nas últimas semanas visitei as maiores redes de hospitais do Brasil e os pacientes que chegam à emergência, passam por consultas no ambulatório ou recebem altas, saem dessas instituições, na maioria das vezes, com receitas impressas, seja de medicamentos ou exames, nas quais os médicos digitaram ou escreveram o nome do remédio. Esse processo manual não possui nenhuma inteligência agregada. Além disso, dificulta todo o trabalho do profissional, que muitas vezes tem que recorrer ao Google para verificar a disponibilidade e grafia do medicamento, por exemplo, aumentando a margem de erro. O paciente por sua vez, de posse da receita de medicamento física (que ele pode perder ou danificar) ao ir à farmácia ainda pode ser surpreendido pelo fato do atendente ou farmacêutico não esteja familiarizado com a droga prescrita.

Ou seja, tem muita gente correndo riscos de morte, muito recurso sendo desperdiçado, quando já existem tecnologias, inclusive gratuitas, que ajudam a resolver essa situação. As plataformas de prescrição inteligentes ajudam a engajar os médicos, pois trazem alertas sobre alergia e interação medicamentosa no momento em que está receitando, aumentam segurança e reduzem as chances de erros, e ainda agilizam e facilitam o processo. Já o paciente, que passa a receber uma receita via SMS, por exemplo, ganha com conveniência logística e financeira para a compra do medicamento, afinal esses sistemas trazem informações sobre a medicação prescrita, porque está sendo ministrada, a posologia e ainda orienta sobre onde comprar a custos mais acessíveis. Isso significa que, se ele tem mais facilidade, tem maior aderência à medicação e isso traz um melhor desfecho clínico.

Por todos esses aspectos, é mais do que urgente que as pessoas enxerguem o quão importante é o momento da prescrição e também percebam que a forma como a receita de medicamento é gerada pode impactar, tanto negativa como positivamente. A estratégia a ser adotada para melhorar a qualidade no atendimento colocar o paciente no centro do cuidado e nisso a tecnologia e a inteligência podem ajudar e muito.

Fabio Lia, é diretor de alianças estratégicas da Memed, empresa de tecnologia em Saúde.

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