Maturidade de gestão

Por que o jurídico não se integra plenamente à gestão das organizações de Saúde?

Mudança nos padrões de pensamento e atuação dos profissionais envolvidos é chave para aproximar departamento das decisões de gestão

por Agnaldo Bahia

O departamento jurídico de uma organização, seja ele terceirizado ou não, deveria ser encarado como um dos mais importantes ativos na gestão de qualquer negócio. Infelizmente, o que se observa na maioria delas é um afastamento do jurídico da gestão do dia a dia, e a não utilização desse ativo no momento de discutir estrategicamente os rumos empresariais. O objetivo desse texto é investigar as razões do problema para que a sua iluminação permita a busca por uma postura diferente, que resulte no melhor aproveitamento desse ativo tão importante.

O jurídico de uma organização é comumente utilizado quando há um problema a ser resolvido ou quando uma providência judicial ou administrativa demanda pessoal especializado. Em instituições mais organizadas e com um maior grau de maturidade de gestão, o jurídico é chamado para dirimir dúvidas e participar de algumas discussões, mas o que se percebe é um distanciamento entre esses profissionais e os responsáveis pela gestão e condução dos negócios. Várias razões concorrem para que essa situação ocorra. Algumas serão analisadas a seguir.

A complexidade do universo jurídico é a primeira grande razão para que não haja uma maior integração com a gestão da empresa. Os temas jurídicos são áridos e não são fáceis de digerir pelos não iniciados. O processo de interpretação das leis e sua consequência na operação e estratégia empresarial costumam gerar divergência e dúvida entre os profissionais habilitados. A própria aplicação da norma não é um processo pacífico, uma vez que o Brasil é um país onde os juízes costumam decidir sobre os temas sem atentar para o pronunciamento prévio dos seus pares e das cortes superiores, numa dinâmica que gera uma absurda sensação de insegurança jurídica.

O gestor, que costuma trabalhar com uma grande quantidade de temas que demandam a sua atenção, acaba se sentindo desestimulado a adentrar neste universo de complexidade formal, onde a linguagem e a interpretação demandam tempo e paciência. No segmento da Saúde, há o agravante da quantidade de órgãos que regulam a atividade das entidades prestadoras de serviço. Há o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Conselho Federal de Medicina (CFM), entre outras que em algum momento interferem nas ações do setor.

Há, por fim, uma observação envolvendo os consultores jurídicos que precisa ser feita. A maioria dos advogados encontra no formalismo e no debate dois grandes lastros de sua educação profissional. Não há, ainda, o cuidado das universidades em trabalhar os aspectos da comunicação e gestão como um elemento essencial do curso de Direito. Assim, esses profissionais costumam ser excepcionais nos aspectos técnicos, mas pecam na hora de se comunicar com aqueles que não possuem a mesma formação. É só observar uma reunião envolvendo empresários e advogados para perceber que os primeiros gostariam de mais objetividade enquanto os segundos, de mais tempo para desenvolver as suas teses.

Quem mais perde é a organização, que se vê privada de uma relação essencial para o seu desenvolvimento. Uma proposta de aproximação entre a gestão e o jurídico depende do reconhecimento de que as partes precisam uma da outra e que essa interação só ocorrerá se ambas decidirem mudar os seus padrões de pensamento e atuação, buscando uma maior aderência para se adaptar às demandas do outro.

O jurídico precisa entender que a dinâmica empresarial não é a mesma que a sua, tentando ser mais objetivo e direto nas suas recomendações. Já o gestor precisa compreender que cada área possui a sua lógica e processo, buscando ser mais paciente para compreender o universo jurídico. Só assim haverá uma integração num nível capaz de potencializar o que cada área poderá agregar para a outra.

Agnaldo Bahia é advogado especialista em Saúde, consultor, professor universitário e diretor jurídico da Associação dos Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (AHSEB).

 

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